quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ATUANDO COMO LEGISLADOR POSITIVO, O STF CRIA NOVA MODALIDADE DE ABORTAMENTO PERMITIDO

RESUMO: O artigo aborda a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 que autorizou a interrupção de gestação com feto anencéfalo.
Anencefalia é a malformação congênita do feto, por ausência de crânio e de encéfalo. Segundo a ciência médica, causa morte em 100% dos casos. O feto, se alcançar o final da gestação, sobrevive minutos ou dias, no máximo.
A decisão, nas palavras do Ministro Cezar Peluso, foi a mais importante da história do STF.
A questão consistia em saber se a interrupção da gestação de feto sem cérebro caracteriza o crime de aborto, previsto no artigo 124 do Código Penal.
A Argüição de Descumprimento de Preceito fundamental – ADPF foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, cuja atuação foi representada por Luís Roberto Barroso e que aviou, em resumo, as seguintes alegações:
a)                  a hipótese em julgamento não configura aborto, que pressupõe potencialidade de vida do feto. A interrupção da gravidez de feto anencéfalo não configura hipótese prevista no artigo 124 do Código Penal;
b)                  o sistema jurídico pátrio não define o início da vida, mas fixa o fim da vida (com a morte encefálica, nos termos da Lei de Transplante de Órgãos). Na hipótese em julgamento não haveria vida e, portanto, não haveria aborto;
c)                  as normas do Código Penal que criminalizam o aborto são excepcionadas pela aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição).
O STF, por maioria de votos (8 x 2), julgou procedente o pedido veiculado na ADPF 45. Em resumo, foram utilizados os seguintes fundamentos:
  • Min. Marco Aurélio (relator): o feto anencéfalo é incompatível com a vida e por isso não é proporcional defender o feto – que não vai sobreviver – e deixar sem proteção a saúde da mulher – principalmente a mental;
  • Ministra Rosa Weber: deve-se proteger a liberdade individual e de opção da gestante, pois não há interesse jurídico na defesa de um feto natimorto;
  • Ministro Luiz Fux: o Código Penal é da década de 1940 e na época não era possível prever e identificar um feto anencéfalo. Atualmente, trata-se de uma questão de saúde pública que deve ser respeitada em prol da mulher.
  • Ministra Cármen Lúcia: considerando que o feto não tem viabilidade fora do útero, deve-se proteger a mulher, que fica traumatizada com o insucesso da gestação.
  • Ministro Ayres Britto: afirmou que todo aborto é uma interrupção da gestação, mas nem toda interrupção de gestação é um aborto, de modo que não se pode impor à mulher o martírio de gestar um feto anencéfalo.
  • Ministro Gilmar Mendes: a interrupção da gestação, no caso, tem por finalidade proteger a saúde da gestante e o legislador do Código Penal não possuía elementos para a identificação da anencefalia na gestação.
  • Ministro Lewandowski: votou pela improcedência do pedido, entendendo que o STF não possui legitimidade para deliberar sobre o caso, apenas o Congresso Nacional, por meio de lei.
  • Ministro Joaquim Barbosa: acompanhou o voto do relator.
  • Ministro Celso de Mello: não se trata do aborto previsto no Código Penal, pois o feto sem cérebro não está vivo e sua morte não tem por origem alguma prática abortiva.
  • Ministro Cezar Peluso: votou pela improcedência do pedido, afirmando que o feto anencéfalo é um ser vivo e, por conseguinte, a interrupção da gestação caracteriza o aborto.
  • Ministro Dias Toffoli: não participou do julgamento, pois atuara na condição de Advogado Geral da União.
A tese abraçada pelo STF segue a linha adotada pela medicina, que considera o feto anencéfalo um natimorto cerebral.
A decisão afasta, mais uma vez, o dogma do legislador negativo, segundo o qual o Judiciário tem legitimidade apenas para excluir do sistema jurídico normas incompatíveis com o texto da Constituição. Na ADPF 54, a decisão demonstra que o STF atuou como legislador positivo. Isto porque o Código Penal apenas prevê duas hipóteses de aborto sem a criminalização, nos termos do seu artigo 128 [Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal].
A decisão proferida na ADPF 54 acrescentou nova modalidade que exclui a hipótese de crime de aborto, qual seja, quando se tratar de feto anencéfalo.
É verdade que o foro adequado para a análise da questão é o Congresso Nacional que, entretanto, omitiu-se na apreciação da matéria. E a inércia do órgão de representação democrática permite a intervenção judicial, pois a proteção de direitos fundamentais é tarefa indispensável do Estado, a exigir a tutela estatal, nos termos do que preconiza o artigo 5ª, inciso XXXV, da Constituição.
Sobre esta questão, é importante a lição de Luís Roberto Barroso:
“A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se desenrola no Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos fundamentais via Constituição e Supremo Tribunal Federal. Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo bem, com grande legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o processo político majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar determinadas matérias, o STF tem seu papel ampliado.”[2]
Ainda, não se trata de uma obrigação ou dever da mulher de interromper a gestação. O STF apenas autoriza e faculta a prática da cessação da gestação, ao nuto de mulher grávida, em prol da sua dignidade e a fim de minorar seu sofrimento – de saber que o feto não terá viabilidade.
A partir da decisão, portanto, caberá ao SUS promover a política pública de saúde adequada (com apoio psicológico e obstétrico), orientando a mulher grávida de feto anencéfalo, para que tenha a liberdade, a coragem e a sabedoria de adotar uma decisão que melhor se ajuste ao seu sofrimento e à sua situação particular.
A posição manifestada pelo STF decorre da impossibilidade de proteger-se deficientemente a mulher. Vale dizer, não pode o Estado deixar de tutelar determinado titular de direito fundamental, sob pena de violar o princípio da vedação de proteção insuficiente, decorrente da cláusula Untermassverbot, implícita ao princípio da proporcionalidade.
Portanto, o STF decidiu com acerto.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Consolidação jurisprudencial da exigência de atividade jurídica para concurso da magistratura

In casu, o recorrente, classificado em 18º lugar em concurso público para o preenchimento de 21 vagas para a magistratura estadual, insurge-se contra aresto que lhe denegou a segurança impetrada em face de ato de indeferimento de sua inscrição definitiva ante o não preenchimento do requisito do documento de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com prazo mínimo de cinco anos. A Turma deu provimento ao recurso para conceder a segurança ao entendimento de que, nos termos da redação atual do art. 93 da CF, em concurso público para a magistratura, a atividade jurídica a se exigir do candidato é de três anos após o bacharelado. Em sendo assim, consignou-se que, na hipótese, a previsão editalícia deve ser interpretada em consonância com o mencionado dispositivo constitucional, de modo que, dos cinco anos exigidos, apenas três devem referir-se à prática forense após a conclusão do curso de Direito. Entendimento contrário, no sentido de que seria necessária a demonstração de cinco anos de prática forense após o bacharelado, além de não encontrar amparo no texto constitucional, implicaria ofensa ao princípio da razoabilidade ao admitir a estipulação de prazo maior do que aquele fixado pelo constituinte como adequado para a comprovação de experiência jurídica pelo candidato ao cargo de juiz. Registrou-se, ademais, que, na espécie, demonstrou o recorrente que ficou comprovada a exigência editalícia de inscrição na OAB pelo prazo mínimo de cinco anos, uma vez que cumpriu um período de quatro anos e nove meses de inscrição na OAB como advogado e de um ano e dez meses como estagiário, num total de seis anos e cinco meses de inscrição na aludida entidade. Precedente citado do STF: ADI 2.204-MT, DJ 2/2/2001. RMS 25.460-PB, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/3/2011. Fonte: Informativo nº 466 do STJ

domingo, 22 de março de 2009

Cargo em comissão e servidor público temporário – Fontes de corrupção e oneração do Estado

O uso político da indicação dos cargos em comissão de recrutamento amplo e a utilização da contratação de servidores temporários para a política de clientelismo são as fontes de corrupção e oneração na folha de pagamento da Administração Pública.

O certame público é o que melhor representa o sistema de mérito, inserido na lei maior pela inteligência do art.37, II, pois, assegura que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos, sem a observância de privilégios de quaisquer espécies.
Afora isso, o concurso público baseia-se em três postulados fundamentais: o princípio da igualdade, pelo qual os candidatos a ingressar no serviço público devem disputar a vaga em condições idênticas; o princípio da moralidade, porque o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo e por fim, o principio da competição que aponta que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público.
Destarte, o concurso público é o substrato do espírito republicano que é aquele que põe ênfase no interesse comum, no interesse da comunidade, em oposição aos interesses particulares e aos negócios privados. Além disso, o concurso público é uma forma legitima e fantástica de ascensão social, haja vista, que o cidadão cresce economicamente por seu mérito e esforço.
Por conseguinte, a regra para preenchimento de cargo ou emprego público na Administração Direta ou Indireta deve ser o concurso público.
No entanto, a própria lei maior prescreve as hipóteses excepcionais de contratação de servidor temporário, bem como, aos cargos comissionados de recrutamento amplo (sem vínculo com administração). No que concerne aos cargos em comissão, a EC 19 modificou a dicção do art.37, V da CRFB/88 e aferiu que uma parcela dos cargos em comissão dar-se-á unicamente por servidores de carreira, nos casos e condições especificados em lei. Malgrado a redação do referido dispositivo legal tenha tido o escopo de impedir o uso político dos cargos em comissão, penso que resolveu, apenas, parte do problema, haja vista, uma parcela dos cargos em comissão, sobretudo, de primeiro escalão, tem recrutamento amplo, ou seja, sem qualquer vínculo jurídico com a Administração Pública e, neste ínterim, é usado como barganha em troca de apoio político, em detrimento do mérito e competência que a função pública exige.
Por conseguinte, o ocupante do cargo em comissão é usado para defender os interesses do político que o introduziu na Administração Pública. Esta é a vereda da corrupção, por isso, penso que os cargos em comissão devem ser ocupados, apenas, por servidores efetivos, haja vista, que possuem um vínculo jurídico e moral com a Administração Pública, além de possuir seu cargo público, sendo, portanto, menos suscetível à corrupção.
Outra chaga de nosso ordenamento jurídico é a autorização para contratação de servidores temporários prevista na inteligência do art.37, IX da CRFB/88, haja vista, que é utilizado para efetivar a político do clientelismo, onde o cidadão submisso ao político que o introduziu na Administração Pública.
Portanto, concluo que a corrupção reside nos cargos em comissão de recrutamento amplo e o “inchaço” na folha de pagamento deve-se a contratação de servidores temporários para fins políticos.